Animation World Magazine, Issue 3.1, April 1998


Uma Aventura em Desenho Animado nos limites da Floresta Amazônica

por Wilson Lazaretti


Crianças e adultos indígenas
animando no Parque Nacional do Xingú.
Foto cortesia de Wilson Lazaretti.

Crianças e adultos indígenas  animando no Parque Nacional do Xingú.  Foto cortesia de Wilson Lazaretti.Começamos nossa experiência em animaçâo em 1975 na cidade de Campinas, Estado de Sâo Paulo, Brasil. Começamos com um curso de desenho animado para crianças e que posteriormente se transformou num centro para a didática do cinema de animaçâo destinado principalmente às crianças. Consideramo-nos animadores de campo, nâo de prancheta, e o nosso grande laboratório para pesquisas é o Brasil.

Em 1984 nos lançamos numa aventura, frustrada diante dos olhares mais ingênuos, porém de grande valor para a consolidaçâo da nossa filosofîa como produtores de cinema de animaçâo. Tratava-se do projeto em desenho animado sobre o Pantanal de Mato Grosso, um longa metragem de 75 minutos de duraçâo que contava a conquista do Pantanal, atravês de fatos históricos e principalmente ecológicos. Este projeto, entretanto, nâo foi terminado por falta de financiamento, mas por um outro lado nos abriu grandes possibilidades profissionais, levando-nos mais tarde à Amazônia.

Entrando na Amazônia
Foi em 1991 que realizamos o primeiro curso de animaçâo com crianças índígenas em Sâo Gabriel da Cachoeira, no estado da Amazônia. Foi a nossa oficina mais importante, conquistando medalha de ouro no 35th. Annual Broadcasting Awards, em Nova lorque, Estados Unidos. Era como se estivessemos ensinando em um outro país. O comportamento das crianças é diferente, e a relação delas com os adultos também. Os adultos consideram as crianças o futuro da tribo, e as crianças sentem e reconhecem essa importancia. Neste curso participaram 35 crianças de 20 etnias diferentes, com idades entre 9 a 12 anos. As crianças falam no mínimo 3 linguas: a lingua mãe, nnheengatu (uma lingua geral entre tribos) e o Português. Estes detalhes foram considerados de grande importançia para o desenvolvimento do curso.

Os instrutores Maurício Squarisi, Ney
Carrasco and Wilson Lazaretti viajam
de carro com tração nas quatro
rodas e barco para chegar na aldeia.
Foto cortesia de Wilson Lazaretti.

Durante 4 anos, estivemos produzindo 10 oficinas de cinema de animaçâo pela regiâo Amazônica. Este time do Núcleo de Animação de Campinas foi composto por três pessoas: Edson Pereira, Mauricio Squarisi e eu. Carregamos conosco uma bagagem de 30 malas e partimos de Manaus para chegar depois de três horas de vôo ao povoado de São Gabriel da Cachoeira. Um pequeno estúdio de animação foi improvisado dentro de uma igreja local. Levamos conosco quatro caixas de luz, canetas, lápis, papel, um projetor de 16mm, uma camera Paillard Bolex de 16mm, negativo preto/branco e um pequeno laboratorio de revelação. Os desenhos foram filmados em 16mm para que as crianças pudessem acompanhar todo o processo de realização e muitos testes foram feitos para aperfeiçoar a animação. A voltagem elétrica que variava intensamente, prejudicou a filmagem final, e por isso quando retornamos a São Paulo, refilmamos os 4.000 desenhos em 35mm.

Eu tenho certeza que as crianças que participaram neste trabalho agora possuem um certo conhecimento sobre o processo da arte de animação, que é uma arte universal.

Nossos filmes
Talvez a nossa oficina de desenho animado mais exótica tenha sido aquela realizada no Parque Nacional do Xingu em julho de 1995. Eu, o animador Mauricio Squarisi e o músico Ney Carrasco trabalhamos diretamente com índios, adolescentes e adultos. Fomos convidados pela escola Paulista de Medicina, que há 30 anos vem desenvolvendo na regiâo do parque cursos especiais de medicina branca para os índios, principalmente para cuidar das doenças levadas pelos brancos. É importante dizer que os médicos deste projeto federal tem plena consciência de seus deveres e respeitam muito a sábia medicina indigena.

Os story-boards são presos à uma árvore para exibição.
Foto cortesia de Wilson Lazaretti.
Os story-boards são presos à uma árvore para exibição.  Foto cortesia de Wilson Lazaretti.
O desenho animado Kamenâ trata justamente da relaçâo entre as medicinas branca e indígena, contando uma história que vai desde antes da chegada dos brancos até os dias de hoje, ou seja: a tribo convivendo em harmonia, o conflito com os brancos e posteriormente a convivência pacifica entre ambos.

O filme é de suma importância para os índios pois atualmente ele é mostrado em todas as aldeias do Parque Nacional do Xingu, tornando-se no principal assunto de uma discussâo sobre as portas de entrada de qualquer doença que possa ser levada para os índios.

Recentemente estive trabalhando em mais uma oficina de cinema de animaçâo no estado do Acre entre 12-22 de fevereiro onde o tema principal era sobre Aids, onde 24 professores índios produziram um desenho animado sobre o assunto. Estive a convite do Centro de Trabalho Indigenista de Sâo Paulo, patrocinado pelo Ministério da Saúde de Brasília-DF.

Assimilando a Cultura
O trabalho com oficinas de cinema de animaçâo com populaçôes indigenas nos traz grandes ensinamentos sobre o modo de vida e a filosofia que os índios empregam no seu dia a dia, muito diferente do nosso onde estamos presos a valores materiais. Nosso pensamento é especifico. Discursamos de modo abrangente, enquanto que o discurso deles é particular. Mas, o indio, aquele ser mitológico, nâo existe mais, debaixo de etnias diferentes é um ser humano com todos os defeitos e virtudes que a nossa espécie carrega.

Um animador jovem trabalhando.
Foto cortesia de Wilson Lazaretti.
Um animador jovem trabalhando.  Foto cortesia de Wilson Lazaretti.

Os indios sâo extremamente diretos e claros em seus desenhos e quando solicitados para fazer algum desenho nâo exitam nem um pouco em fazê-lo. Nâo existe a frase: "Nâo sei desenhar isto", por exemplo. Assim como, nunca eu ouvi um índio me dizer: "Olha como o meu filho desenha bem!" Pois que desenhar bem, para nós é uma virtude, enquanto que para eles é uma expressâo.

O que levo de melhor para os meus alunos na Universidade Estadual de Campinas é o que de melhor aprendi fora da minha prancheta de desenhista. Acho que os ensinamentos básicos estâo mais nas entrelinhas do que no texto explicito, assim digo que aprendi mais cinema admirando o "Guernica" de Pablo Picasso do que em qualquer banco de escola.

Wilson Lazaretti é animador, lider de oficinas de animação no Núcleo de Cinema de Animação de Campinas e na Universidade Estadual de Campinas.

Nota: Os leitores podem contactar qualquer contribuidor da Animation World Magazine enviando e-mail at
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